"Lições de Arquitetura" de Herman Hertzberger

 Lições de Arquitetura de Herman Hertzberger 

No dia 13/10/2022 foi realizado, nas dependências da Escola de Arquitetura, uma sintegração sobre o livro Lições de Arquitetura, de Herman Hertzberger. Não pude comparecer nesse dia, visto que não me encontrava na cidade, porém deixo aqui uma breve resenha e impressões sobre essa obra importantíssima:  

 

Herman Hertzberger é arquiteto e professor emérito holandês, notadamente um dos maiores nomes do movimento estruturalista da arquitetura. Escreve sua brilhante obra “Lições de Arquitetura” na década de 80, após alguns anos de quase ostracismo que vieram após seus anos de ouro como projetista. O livro é publicado em 1991 e, desde então, é parte importantíssima para a formação de novos arquitetos, sobretudo aos recém ingressados no curso. Sobre isso, discorrerei mais adiante. Hertzberger divide seu livro em três partes, as quais abordarei brevemente a seguir: 

 

A - Domínio Público 

Após um breve esclarecimento sobre os conceitos iniciais de “público” e “privado”, Hertzberger parte para uma discussão mais aprofundada sobre o que de fato delimita essas esferas. Muito além de meras demarcações materiais de território, tais domínios devem ser pensados num aspecto mais amplo. Quem delimita esses domínios? Como a arquitetura influencia o consciente que os diferencia? Como isso afeta a vida das pessoas?  
A grosso modo, entende-se como público aquilo que é usado por diversas pessoas e tem sua possibilidade de uso indiscriminada, salvo os limites legais obviamente. Já o domínio privado é aquele em que o acesso e a manutenção são determinados por um grupo reduzido de pessoas, ou até mesmo uma só pessoa. Hertzberger discorre brilhantemente sobre formas de se pensar esses domínios, os reinventar e até mesmo os integrar, em certa medida. Apresenta – como em todo o livro – inúmeros exemplos de soluções arquitetônicas acerca desse tema. Ambas as esferas podem ser vistas numa perspectiva macro e microscópicas, a exemplo os prédios públicos, as casas, praças e até mesmo os quartos e a sala de estar dentro das casas. 

Outra coisa muito importante é pensar no que está entre essas duas esferas, o intervalo. É o intervalo a área de transição, aquilo que possibilita o encontro e o diálogo entre as diferentes ordens. Seguindo essa ideia, a rua é o grande palco urbano que congrega o público, o privado e o intervalo. É na rua que se encontra o mundo lá fora. Existem situações em que a rua serve apenas como espaço de passagem, mas também existem aquelas em que a rua funciona como uma extensão comunitária das moradias. Nessa segunda, formam-se laços com o lugar e com os seus agentes. A rua de convivência é aquela em que os moradores possuem algo em comum, expectativas mutuas. Infelizmente isso está se perdendo no mundo do século XXI, com o avanço das tecnologias de informação que propiciam as interações virtuais digitais. Aqui também se encontra uma perspectiva mais microscópica, por exemplo as ruas internas de galerias, shoppings, condomínios etc. 

“Ao selecionar os meios arquitetônicos adequados, o domínio privado pode se tornar menos parecido com uma fortaleza e ficar mais acessível, ao passo que, por sua vez, o domínio público, desde que se torne mais sensível as responsabilidades individuais e à proteção pessoal daqueles que estão diretamente envolvidos, pode se tornar mais intensamente usado e, portanto, mais rico.” 

 

B – Criando Espaço, Deixando Espaço 

Nessa segunda parte, Hertzberger escancara sua influência estruturalista, ao discorrer sobre formas de se pensar uma arquitetura que tenha uma base abrangente, que sirva de suporte para a relação dialética entre forma e função e possibilite diferentes interpretações e usos do espaço.  
A estrutura, para além da própria edificação - também se pode entender como o plano urbano – deve servir como espinha dorsal gerativa, análoga à urdidura, que abrigue as diferentes formas de uso, de interpretação etc. Essa estrutura pode ser puramente funcional, mas também flexível e até mesmo polivalente, desde que seja a base para a construção - ou para as construções -, essas análogas à trama, o que dá o visual, “a cara”, do tecido final.  
Ademais, além de criar espaço, deve-se também pensar como deixar o espaço. Aqui, o autor destaca algumas soluções a respeito de alternativas que facilitam o desmonte, a substituição e a “destruição” desses espaços.  
Outro aspecto muito importante abordado por Herman é o incentivo. A forma em que o projeto abra espaço para a interpretação coletiva. O arquiteto aqui pode, simplesmente, deixar partes inacabadas, estimulando, portanto, a criatividade de quem usará esse espaço para o moldar de acordo com suas necessidades e gostos pessoais.  

“À luz dessa apropriação reciproca de pessoas e coisas, é justo afirmar que os incentivos oferecidos por nós, na qualidade de arquitetos, representam um convite para que os moradores os completem e lhes deem um ‘colorido’, ao mesmo tempo em que, por outro lado, as pessoas também convidam as coisas para que completem, deem colorido e preencham sua própria existência.” 

 

C – Forma Convidativa 

Na última parte do livro, Herman trata do funcionalismo no âmbito de projetar de maneira que as possibilidades sejam expandidas, “adequadas a mais objetivos”. É tornar o espaço mais receptivo a diferentes situações.  
Usando exemplos bem emblemáticos, como bases de pilastras, bases de janelas, muretas etc. que possibilitem às pessoas sentarem, Hertzberger abre um leque de referências que nos instiga a buscar essas alternativas e tornar a arquitetura mais convidativa.  
Além disso, também é abordado o equilíbrio entre visão e reclusão, no caso a forma em que os lugares são separados ou integrados. Aqui também são abordadas formas de trazer o mundo exterior para dentro, por exemplo com o uso de janelas bem posicionadas, claraboias etc. Aqui, Hertzberger nos instiga a produzir uma arquitetura que seja capaz de refletir, no projeto, diversas camadas da consciência, a fim de criar um ambiente que diga algo sobre o mundo. 
Por fim, Herman Hertzberger aborda o princípio da equivalência, no qual dois aspectos podem adaptar-se a condições específicas numa relação independente de hierarquias. Se cada elemento pode, independente da maneira que foi inserido, desempenhar seu papel, podemos dizer que existe equivalência. Por exemplo em composições simétricas, desprovidas de fachadas frontais ou de frentes e fundos, cabe ao arquiteto criar o equilíbrio correto entre os elementos, para que tudo funcione mutuamente de forma harmoniosa. 

“O arquiteto é como o médico - não há espaço para a discriminação de valores em seu pensamento; ele deve dedicar sua atenção a todos os valores igualmente e deve simplesmente providenciar para que aquilo que pratica faça com que alguém se sinta melhor.” 

 

Comentário 

Lições de Arquitetura é um livro, de fato, essencial para o início da formação em arquitetura, visto que, de forma extremamente didática e fluida, consegue transmitir uma gama riquíssima de repertório e, acima de tudo, dar as bases para o treinamento do olhar. Após ler a obra, me peguei observando mais a arquitetura em minha volta, em seus aspectos público-privados, de possibilidades de uso etc. 
Por mais que a arquitetura estruturalista, a princípio, seja de difícil palatabilidade, é inegável as formas criativas e inovadoras que possibilitam a polivalência e flexibilidade dos espaços, o que, na minha opinião, dá ao ambiente mais possibilidades de se tornar uma interface de vínculos e de interações humanas, mesmo de forma mais abrangente e mutável. 

Comentários

Postagens mais visitadas